Arqueologia do Tempo Presente I
A filosofia e as artes, digamos mesmo o pensamento em geral, vivem dos movimentos que se efectuam entre conhecimento e reconhecimento.
Um homem não é mais do que um posto de observação no estranho.
Estas duas belas frases de Paul Valéry servem-nos hoje de pórtico porque, como todos sabemos, o que há de arqueológico no tempo presente resulta (e não só para os que acreditam na teoria do comportamento) do facto de todo o conhecimento se produzir sempre a posteriori, como consequência. Portanto, desde as construções mais sólidas do pensamento à simples verificação de que da evaporação da água do mar resulta o sal comum, tudo, toda a experiência possível e imaginável resultaria de um efeito de recuo ou por um efeito de recuo. Por exemplo: o que é o prazer senão a repartição do prazer, ou seja, o reconhecimento do prazer enquanto tal? Assim, as estratificações sucessivas que constituem a estrutura da experiência reflectem-se em tudo, são elas que condicionam e definem tudo.
André Malraux escrevia no prefácio ao seu Museu Imaginário da Escultura Mundial: «O prazer do gosto desaparece com a surpresa » ... Mas mais alarmantemente (em virtude da enorme possibilidade de ele ter razão) escreveu também: «A nossa relação com a arte estabelece-se menos através das nossas decisões do que através de uma permeabilidade comum ... » Coleridge, há mais de cento e cinquenta anos, escrevendo acerca do gosto público, afirmava que «o gosto depende de causas acidentais», enquanto na actualidade Gillo Dorfles debate largamente o problema, inclusive no seu livro As Oscilações do Gosto, mas apesar de tanta e já tão longa investigação o que sabemos de facto acerca do gosto?
Talvez porque para saber é preciso ter sabido, ter aprendido a saber?
Porque é do saber que decorre o sabor?
Talvez por isso os artistas digam coisas como estas:
- às obras que fazemos não se deve pedir senão que nos ensinem qualquer coisa
- o que não posso modificar é-me absolutamente inútil saber
- o artista não deve fazer o que se vê mas o que será visto
- o homem está fechado do lado de fora da gaiola
- o medo transforma o prazer em culpabilidade e depois em horror
Julgamo-nos sempre os mesmos - mas não há mesmos.
Com a passagem do tempo verificamos que o presente é aquele ponto do processo em que a estranheza se transforma em saber, que o passado é o ponto em que o saber se torna sabor e que o futuro talvez pudesse ser idealmente definido como o prenúncio de um sabor a saber.