Poesia Chinesa

A poesia chinesa é essencialmente musical, ­revelando elaborados jogos de sonoridades, para Burton ­Watson é o primeiro testemunho do uso da rima em qualquer literatura. E as suas regras permanecem quase­ imutáveis: Mao Tsetung compõe ainda na forma «tzu», «lu­shih» e «chueh chu» originadas na dinastia Tang (618-907).

Cada poema é composto segundo uma melodia estipulada que ­prescreve, rigorosamente, tanto um padrão tonal quanto um­ esquema rítmico, sendo o número de versos, e o número de caracteres por verso, determinados pelo tipo de estrofe.

Depois, a linguagem dos poemas agora traduzidos: «por ­natureza concisa e rítmica, que nos dá em cada caracter o­ sentido e não a pronúncia...» (p.18) é ‚ apenas escrita ­visual e não sonora ou fonética. Neste aspecto, o trabalho de Gil de ­Carvalho é francamente positivo, tanto mais que, implicitamente, patenteia uma certa discrepância entre o resultado da sua tarefa, e o peso dos pressupostos modernistas que regem o conceito europeu de poesia oriental.­ Recordem-se as traduções de Ezra Pound a partir dos estudos­ de Fenollosa onde, talvez por influência do budismo zen, se ­confunde poesia japonesa e chinesa.

Os modernistas ignoram­ as sucessivas repetições sonoras desencadeadas, não apenas ­pela rima, mas pelo reiterar de versos inteiros, numa construção claramente paralela. Ignoram ainda as repetições especulares do mesmo termo, que criam ­redundâncias de musicalidade e sentido. Os poemas chineses, ­ao contrário dos japoneses, constroem-se na tentação do ­monocórdico, que é evitado, em última instância, pelo aparecimento de um sinónimo com homofonia diversa. O prazer ­que deles resulta é muito diverso do retirado pelo encontro ­com a imagem de um "haiku" japonês. Nem a sua apresentação é ­instantânea, nem dá origem ao sentimento de libertação súbita – metáfora do «satori» do zen.

O jogo chinês centra-se no prolongamento das sonoridades no tempo, na ­recusa de um fim abrupto e no desejo de explorar um mesmo­ grupo de sons a partir de várias perspectivas.

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