O Robot e o Trabalho Humano
A palavra robot, que deriva de robota, o que, nas línguas eslavas, quer dizer trabalho, foi criada em 1920 pelo escritor checoslovaco Karel Capek numa peça de teatro para designar um andróide capaz de desempenhar todas as tarefas normalmente executadas pelo homem. Essa palavra, a que se associa a imagem de um autómato, de um boneco mecânico funcionando electronicamente, inflamou a imaginação de várias gerações de escritores, nomeadamente os de ficção científica, mas a sua real popularidade deve-se ao facto de serem os autómatos uma invenção já antiga, tradicional, correspondendo a uma aspiração que o homem tem de se libertar do trabalho, essa condenação bíblica que tem sido assumida como tal e que tem dado origem aos mais graves conflitos da humanidade, pois entre trabalho e exploração, nomeadamente exploração do homem pelo homem, tem havido em todos os tempos uma relação que parece insuperável.
A invenção dos autómatos que, por exemplo, no século XVIII, tinha aplicações estéticas e graciosas, que iam desde passarinhos de corda a cantar e a bater as asas a bonecos a tomar café ou a fumar, até figurinhas a sair de dentro de relógios e torres, e mil outras maneiras de reproduzir mecanicamente gestos humanos, tudo isso muda drasticamente quando surge o robot, que deixa de ser um adorno ou um brinquedo para se tornar a materialização do espírito prático e das necessidades do homem de hoje e do seu dia-a-dia. O robot não é um adorno nem é um objecto de arte: é um maquinismo destinado a cumprir funções que o homem detesta, todas as actividades mecânicas, repetitivas, como o trabalho doméstico ou industrial, ou outros tipos de esforço igualmente monótono e desgastante.
Mas o problema, que inclusive a peça de Karel Capek levantava, não era só o da libertação do trabalho, era também o de uma eventual superação do homem pela máquina, prevendo-se que o robot, concebido pelo homem, acabaria por dominá-lo, formando mesmo sociedades distintas das dos homens, a que estes teriam por fim de submeter-se, dada a superioridade das máquinas.
Para além desses aspectos de ficção científica e algo apocalípticos atribuídos ao robot, a verdade é que ele, como invenção humana, inflamou tanto a imaginação de cientistas como de artistas, poetas, romancistas, etc. Na literatura experimental portuguesa temos alguns exemplos disso: Herberto Helder, Melo e Castro, António Aragão, Salette Tavares, escreveram obras em que está presente o robot ou outra forma de pensamento cibernético, ilustrando a influência das pesquisas científicas sobre as pesquisas artísticas.
Eu própria escrevi vários textos com base nessa temática. Para ilustrar esse ponto, vou ler um texto que publiquei em 1969, incluído no volume intitulado 39 Tisanas, em que um robot é o herói da narrativa e em que o clima de indiferença e precisão da máquina, ilustrando a sua fidelidade aos princípios da programação que regem os seus actos, é duramente posto em destaque, acabando por constituir o elemento dramático da acção, gerador de uma inexplicável angústia, enquanto a própria maneira como o texto está escrito revela já a influência da mecanização, da frieza laboral da máquina, como se também ele tivesse sido composto por um robot:
Tendo a gerência de um grande hotel resolvido mecanizar os seus serviços de limpeza adquire para esse efeito um robot cinzento estreito e funcional. O robot limpa admiravelmente. Despoja as pessoas de tudo o que trazem na mão ou sobre o corpo. Como as pessoas deixam de frequentar o hotel o robot limpa o hotel de toda a mobília e de todos os objectos que nele se encontram acumulados. Quando não restam mais objectos para limpar o robot que se chamava AMONA-UÀ erra pelos corredores raspando as paredes para libertar o hotel de todo o lixo.