Músico - textos
O filme que hoje tenho para vos apresentar é parte de uma longa reportagem feita pela RTP do Porto de uma sessão de música experimental, que teve lugar na Cooperativa Árvore, também no Porto, em Novembro do ano passado. Nele veremos um grupo musical liderado por Jorge Lima Barreto e ainda Ernesto Melo e Castro, que dirá dois poemas seus.
Convidei Jorge Lima Barreto para vir até aqui falar-nos do seu trabalho mas como não lhe foi possível vir até aqui hoje, vou-vos ler algumas indicações técnicas que me foram fornecidas e que tentam elucidar os espectadores acerca da natureza e objectivos desta sessão que vamos ver.
Quanto à parte musical- [ver o anexo 1].
Quanto aos poemas - [ver o anexo 2]
Como em breve irão verificar, esta sessão de música experimental integra-se perfeitamente na programação deste mês, dedicada aos aspectos de ruptura e futurização que a vanguarda assume.
Mas para além desse aspecto, por de mais evidente nesta reportagem, há um ponto, uma questão, que ao longo de todos estes programas esteve sempre subjacente, uma questão que nunca foi nomeada mas que é essencial,axial em todos estes programas: a questão do exercício da crítica.
Apesar do carácter muitas vezes didáctico deste programa (didáctico contra a minha vontade, mas inevitavelmente assim) a questão da crítica ainda não foi aqui directamente abordada até agora. E quando eu digo crítica, ou a questão do exercício da crítica, não me quero referir «à feira das opiniões» que se vê por aí e cujo fundamento (ou infundamento) infelizmente se conhece: o que eu quero expressamente referir é a relação que existe entre a capacidade do
exercício da crítica e a cultura.
Este tema será objecto de debate, não ainda neste programa mas nos seguintes, pois assim como não se pode conceber que capacidade artística e cultura estejam alguma vez desligadas, também não se poderá conceber que se possa exercer crítica sem cultura ou que se possa ser culto sem se exercer a crítica. Portanto, partindo do princípio de que para criticar é indispensável conhecer, voltando ao filme que vamos ver hoje, pessoalmente considero que ele é um desafio ao vosso espírito crítico - e foi precisamente por isso que o escolhi.
E por hoje, antes de terminar, decido anunciar-vos que os dois programas que apresentarei durante o mês de Março serão dedicados ao Teatro de Vanguarda: sendo um deles dedicado precisamente a Artaud e ao Teatro da Crueldade.
Até lá, boa noite e boas críticas!
ANEXO 1
O sintetizador ARP Odissey é o instrumento mais avançado que alguém possui no país: o intérprete utiliza diversos tipos de programação da sua autoria, pelo método dos cartões perfurados sobre o painel do aparelho electrónico.
Interessa sobretudo a criação de matérias sonoras concretas e não a obediência ao formalismo que domina a generalidade das tipologias musicais.
O humor dirige deliberadamente o fluxo musical improvisado: a vanguarda é alegria e libertação, jamais pesadelo ou pretensiosismo. O músico da guitarra eléctrica suporta múltiplas bases temáticas num sentido explicitamente dinâmico, movimentando formas pré-concebidas. O declamador tem a sua voz alterada por um mini-sintetizador cujo discurso puramente tímbrico se encontra estipulado na massa sonora do tutU sintetizado.
O intérprete do sintetizador é um manipulador experimentalista dos sistemas que o programa sintetizado admite, e sem qualquer restrição dos conteúdos.
O sintetizador de ritmo é a evidente concepção pop do concerto, na medida em que ironicamente refere o despotismo da tecnocracia que substitui os homens pelas máquinas.
O sintetizador é o primeiro instrumento de solo da música electrónica, que vem abrir novas realidades no campo da música.
ANEXO 2
Poemas de E. M. de Melo e Castro
1.0 Poema fonético intitulado «Bloco branco», incluído no livro Versus-in-Versus.
2.0 Fragmento do poema longo «Diálogos» em que através de uma meditação entre qualidades opostas: grande/pequeno; dentro/fora; alto/baixo se propõe um ambiente. Incluído no livro Persistência das Palavras.